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Festival Novo Jornalismo: a memória e a actualidade do quarto poder

A 1ª edição do Festival Novo Jornalismo, organizado pela Câmara Municipal de St. Tirso e produzido pela Booktailors, conciliou a memória e a actualidade do jornalismo, durante os dias 24 e 25 de Outubro. No trajecto para o local onde se debatia a história e o futuro do jornalismo, observámos a conciliação entre as tradições seculares (O Mosteiro de São Bento, a coleção de arqueologia no Museu Municipal Abade Pedrosa) com a modernidade moldada em obras de arte construídas por autores contemporâneos.

Só a pacificação de um povo com a sua história permite apreciar a ironia de se debater a censura, e as suas diversas formas, na Fábrica Santo Thyrso, situada na Rua Dr. Oliveira Salazar.
Após o discurso de abertura por Joaquim Couto, Presidente da Câmara Municipal de St Tirso, Joaquim Furtado (jornalista) utilizou precisamente a ironia na denúncia de tempos mais e menos longínquos em que o poder político tentou influenciar ou controlar meios de comunicação. Furando a censura, os jornais, antes da revolução, contribuíram para o desgaste do regime. Quatro décadas após o 25 de Abril, a Imprensa tem novos e também renovados desafios.
«Os tempos mudam, mas a natureza humana não», afirmou Joaquim Furtado.
A constante tensão entre jornalismo e política é, agora, acompanhada por outro factor de tensão: o poder económico. A pressão financeira imposta por grupos empresariais detentores de órgãos de comunicação social tem resultado em equipas de trabalho mais reduzidas, com prejuízo para os leitores. A profundidade de investigação e a diversidade sofrem limitações consideráveis.  As empresas existem para dar lucro, as receitas dos jornais dependem cada vez mais da publicidade e a publicidade existe onde se concentram os consumidores.
A cultura do entretenimento apresenta-se, hoje, com força mais do que suficiente para determinar assuntos, construir formas e também modelos de linguagem. Da censura política corre-se o risco de se passar para o facilitismo reflectido, para o “info-entretenimento”. Tudo é mais acessível, tudo é mais rápido, e a internet permite que a quantidade do que é publicado (tudo é publicável) diminua a qualidade e dilua a importância da informação.
Nunca, até hoje, houve tanta capacidade em chegar depressa e a muito público. A internet impõe velocidade impossível de alcançar pela imprensa em papel. A própria televisão e rádio não acompanham a rapidez de divulgação das redes sociais. A possibilidade de se descobrir, confirmar e publicar uma notícia antes de todos os outros jornais é muito difícil.
David Dinis (Observador), Gustavo Sampaio (freelancer) e Ricardo Rodrigues (Notícias Magazine) tiveram oportunidade de conversar sobre os benefícios e malefícios da publicação online em «Scoop, a culpa é da internet!» (Mesa 3), com moderação de Felisbela Lopes (professora de Jornalismo na Universidade do Minho).
As diferenças de possibilidades entre dois suportes distintos, informático e papel, traz vantagens, segundo Gustavo Sampaio, como o acesso ao arquivo ou ter possibilidade de ler o jornal logo às primeiras horas da madrugada, mas também tem alguns efeitos maliciosos. O excesso de ligações para outros textos, sons ou vídeos no hipertexto, a internet como “caixa-de-ressonância” e, principalmente, a falta de regulação impede Gustavo Sampaio de ter o entusiasmo de David Dinis, para quem o online só tem vantagens.
Segundo o director de Observador, «uma das coisas mais fascinantes do jornalismo online é nós, efectivamente, conseguirmos medir, a par e passo, aquilo que está a acontecer. Não é só em relação às notícias; é onde está o nosso público, quem ele é, como está a comportar-se, o que está a pensar sobre o trabalho que estamos efectivamente a fazer.» Sobre a plataforma online, afirmou que «o problema não é o meio; é o que estamos a fazer com ele. Este meio tem todas as vantagens de cada um dos outros meios. E por isso é que nós utilizamos a internet para tudo.» David Dinis desmistificou uma ideia indevidamente estabelecida: no Observador os textos mais longos - ao contrário do que se possa pensar -  são os textos mais lidos.
Ricardo Rodrigues também aponta o problema da verificação da informação. Para o jornalista do Notícias Magazine, «é certo que o online consegue ser corrigido rapidamente, mas também é mais vulnerável para publicar informações falsas ou incorrectas que depois têm de ser desmentidas.» A existência de regulação desta plataforma é importante para se evitar a deterioração da veracidade da notícia e da credibilidade de quem a publica. «A essência do jornalismo é verificar toda a informação.» A não verificação coloca problemas deontológicos.
Carlos Magno (professor, jornalista), Francisco José Viegas (editor, jornalista, escritor) e Paulo Moura (escritor, jornalista, professor) debateram, com moderação de Eduarda Maio (RTP2), precisamente, a “Ética e deontologia na não-ficção” (Mesa 2).
No debate mais aceso do festival, a oposição entre intervenientes demonstrou a efemeridade entre a fronteira da ficção e não ficção no jornalismo. As palavras de Joaquim Furtado, na conferência de abertura, ecoaram na conversa e promoveram o diálogo sobre o “New Journalism”, corrente jornalística com intervenientes como Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer ou Gay Talese.
A contaminação entre a não-ficção e a ficção é evidente e permanente.
Paula Moura apresentou várias interrogações sobre as fronteiras definitórias da ficção:
«O que é literatura? Se literatura é necessariamente ficção, ou se é a arte da escrita? Se é arte da escrita, a não-ficção pode ser literatura e a ficção pode ser não-literatura. Há ficção na não-literatura, se não considerarmos que atingiu um patamar de sofisticação que permita considerar uma arte. É um tipo de escrita utilitária, ainda que seja de ficção.»
Os meios online vieram demonstrar a falibilidade das definições até aqui existentes sobre os conteúdos e sobre a forma. A divisão entre géneros é um assunto pleno de anacronismo. As definições são demasiado incompletas para concentrar as características permanentes de algo.
Carlos Magno reduz as regras do jornalismo a uma  fórmula: «Isto foi ou não verdade? O jornalista é prisioneiro da realidade.»
A forma de um texto jornalístico deve obedecer à veracidade dos factos. E tanto Carlos Magno como Francisco José Viegas não consideram o “New Journalism” como jornalismo, por não se verificar o texto como dependente da veracidade.
«O facto ou aconteceu ou está a acontecer. O Rui Ramos fez uma magnífica História de Portugal que eu acho que é um exemplo de coerência e de boas práticas. Quando se faz um livro de história e se diz que estes factos aconteceram, faz-se um compromisso com o leitor e esse compromisso é muito importante», afirmou Carlos Magno.
As biografias concretizam-se num suporte dominado pela ficção: o livro. O escritor e jornalista apropria-se dos recursos estilísticos do ficcionista e das características inerentes ao formato de publicação. Segundo Francisco José Viegas, «o livro tem uma dimensão, tem um estatuto, uma aura, uma marca que ultrapassa a dimensão mais contingente, mais imediata com que o jornal se defronta, que é o de desaparecer no dia seguinte».
As quatro mesas no Festival Novo Jornalismo, dedicadas à não-ficção, tiveram o seu começo e o seu fim a debater o jornalismo apresentado no formato livro.
Joaquim Vieira (jornalista, ensaísta, documentarista), Miguel Pinheiro (jornalista) e Rui Ramos (investigador, professor, historiador) debateram “Estão as biografias não autorizadas em perigo?”, com moderação de Tito Couto (Booktailors), na primeira mesa do Festival.
As biografias contrariam a necessidade de imediatismo das notícias e, em menor grau, das reportagens. A temática incide em acontecimentos passados com pessoas ainda vivas, ou já falecidas.
A cultura biográfica sofreu alterações, segundo Rui Ramos, a partir da II Guerra Mundial. É nessa altura que se rompe com o estilo panegírico da biografia. Até aí a biografia era essencialmente iconoclasta, composta pela descrição de vida e compilação epistolar, em que se vangloriava os feitos e se esbatiam os aspectos negativos.
Miguel Pinheiro, autor da biografia «Sá Carneiro», abordou a escola anglo-saxónica como modelo a seguir na elaboração de biografias.
A sua biografia sobre Sá Carneiro baseou-se numa profunda pesquisa sobre o antigo secretário-geral do PSD, com particular interesse na pluralização de perspectivas. A preocupação com a importância (ou falta dela) em expor o lado mais íntimo do biografado não se colocou, pois o próprio biografado pôs a sua vida afectiva no centro do debate político. E esta viria a demonstrar-se fundamental na evolução da sua personalidade e percurso político.
A problemática colocada sobre a biografia de Mário Soares («Mário Soares - uma vida»), de Joaquim Vieira, em que alguns aspectos da vida privada do antigo presidente de Portugal foram abordados, não se aplica à biografia de Sá Carneiro. Segundo Miguel Pinheiro, esse aspecto só é um problema quando os biografados estão vivos ou morreram há pouco tempo.  Por isso, a polémica com as biografias no Brasil, onde não se pode divulgar dados referentes à vida privada sem autorização prévia, só existem por os biografados estarem vivos.
Joana Pereira Bastos (Expresso, autora de «Os últimos presos do Estado Novo»), Paulo Pena (Público, autor de «Jogos de poder») e Rita Garcia (Sábado, autora de «S.O.S. Angola – os dias da ponte aérea»), com moderação de Pedro Vieira (escritor), terminaram o festival falando sobre a importância do livro em investigações mais extensas e aprofundadas. Em “Livro: a casa grande do jornalismo” (mesa 4) ficou demonstrado que, apesar de ser comumente ligado à ficção, o livro está muito longe de estar confinado à criação de mundos irreais.
A educação da opinião pública depende muito da comunicação social. Quanto mais a imprensa estiver dedicada ao interesse público, melhor será o seu contributo para a prática de uma cidadania consciente. A qualidade da cidadania  está vinculada à liberdade de expressão e à qualidade da imprensa.
A construção de oportunidades de diálogo, como o Festival Novo Jornalismo, permite aos profissionais procederem a uma autognose e ao público o entendimento de como é formada a sua própria opinião. As Sessões nas Escolas, as Mesas de Debate e as Conferências permitiram, durante dois dias, aos cidadãos diagnosticarem comportamentos na procura de uma melhor informação.
O Festival Novo Jornalismo encerrou com a emancipação da imagem em relação à palavra. João Francisco Vilhena (fotojornalista, autor de «Lanzarote, A janela de Saramago») finalizou as actividades com “Polaroides & Poemas”, onde as fotografias contavam as histórias das imagens em si capturadas.

Mário Rufino
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=740206

ver álbum: http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014/10/festival-novo-jornalismo-album.html

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