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"No Coração da Tempestade", de Jesmyn Ward



Em Agosto de 2012, um furacão devastou Nova Orleães, causando muitas vítimas. Katrina, de seu nome, viria a marcar a realidade, o imaginário e a literatura norte-americana. Jesmyn Ward (n. Mississípi; 1977) fez desse acontecimento uma metáfora sobre a capacidade de regeneração da natureza e da resiliência da vida humana. Em “No Coração da Tempestade” (Porto Editora), o furacão irá transformar as relações entre membros de uma família disfuncional.
Randall, que procura seguir carreira de basquetebolista, Skeetah, o dono da pit bull China, Esch  (narradora) e Júnior (irmão mais novo) são filhos órfãos de mãe. Eles estão entregues ao pai alcoólico e agressivo.
Será a voz de Esch, a única rapariga, a narrar a história, traçando vários paralelismos com a mitologia grega. Os mitos de Jasão e de Medeia indiciam a iminente tragédia na vida desta família negra de Nova Orleães. A dicotomia de Medeia está presente nas múltiplas manifestações da ligação entre vida e morte, destruição e construção, violência e afecto, ausência e presença.
Essa interdependência entre radicais opostos é detectável na morte da mãe durante o parto de Júnior; na matança das crias doentes pela cadela China para salvar os saudáveis; na notícia de uma gravidez logo depois de um acidente mortal; na distância afectiva entre pai e filhos em contraste com o cuidado destes para com as crias de China; no renascimento do vínculo afectivo quando tudo é arrancado pelo vento e pela água.
Nas vésperas do caos, o corpo adolescente de Esch explora a sexualidade e sente-se dominado pela paixão. A descoberta feminina do prazer acontece em simultâneo com a entrada no mundo dos irmãos, onde a luta de cães é o equivalente, mas negativo, do êxtase sexual e da possibilidade de domínio.
A catástrofe já aconteceu há muito tempo naquela família. Com a morte da mãe, os filhos ficaram entregues a si próprios. A displicência paterna piorou a situação de pobreza e entregou a sobrevivência de todos, inclusive a sua, à resiliência dos 4 irmãos.
A maior esperança na concretização de uma vida com mais conforto está concentrada na hipotética venda da ninhada de China, a invicta pit bull. Dessa venda depende a entrada de dinheiro que avalize um estágio desportivo a Randall e permita a Skeetah mais cães para lutar.
Será com a chegada do furacão que tudo muda. Katrina é o catalisador de todas as transformações.
Já depois da tempestade, Esch pensa no rasgo da realidade:
“De repente, abre-se um abismo entre o agora e o então, e pergunto-me para onde foi o mundo onde se desenrolou esse dia, porque nós não estamos nele”
A mudança em Nova Orleães é acompanhada da alteração de ritmo da prosa; até aí melancólica, esta fica mais rápida, demonstrando a capacidade da autora na utilização de diferentes estratégias narrativas. A coloquialidade nos diálogos dota o texto de maior realismo e capacidade de sugestão.
Seja através da melancolia ou da violência, a destruição, a resiliência e a reconstrução estão sempre presentes na obra de Jesmyn Ward.

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=737104

No Coração da TempestadeNo Coração da Tempestade by Jesmyn Ward
My rating: 3 of 5 stars

O meu texto sobre "No Coração da Tempestade", de J. ward, para o Diário Digital

http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014...




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