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"Crítica da Razão Negra", de Achille Mbembe (Diário Digital)


A «razão negra» de Achille Mbembe


Os estudos pós-colonialistas têm reunido posições apaixonadas e vinculadas a uma causa. Autores como Fanon, Foucault e Césaire produziram obra fundamental na reconfiguração identitária de povos sujeitos a opressão. «Crítica da Razão Negra» (Antígona), de Achille Mbembe (n.1957; Otélé, Camarões), continua na tradição destes pensadores.

Achille Mbembe, professor universitário de História e de Ciência Política,  procura responder a uma pergunta aparentemente simples: “Como pensar a diferença e a vida, o semelhante e o dissemelhante, o excedente e o em comum?”
Mbembe afirma que há sempre uma paixão inflamada quando o negro aparece, ou o judeu, o chinês, o mongol ou o ariano. O delírio acontece tanto nos rotulados como em quem inventou o termo. É para a raiz que esse delírio e intolerância remetem. E na raiz está a questão racial. A raça está presente enquanto termo ambíguo e polémico; é uma representação primária, geradora de receios, tormentos e sofrimentos.
“Funcionando simultaneamente como categoria originária, material e fantasmagórica, a raça tem estado, no decorrer dos séculos precedentes, na origem de inúmeras catástrofes, e terá sido a causa de devastações físicas inauditas e incalculáveis crimes e carnificinas”.
O autor fragmenta e analisa os diversos discursos, comentários, “vozes” e práticas em que os sujeitos, passivos ou activos, sejam “pessoas de origem africana”. A este conjunto de elementos, expostos ao longo de séculos, o autor chama “razão negra”. E diagnostica um momento decisivo:
“O nascimento da questão da raça - e portanto do negro - está ligado à história do capitalismo”.
Segundo o autor, existem, também, 3 momentos incontornáveis:
Em primeiro lugar, deu-se o roubo organizado, dos séculos XV a XIX, em benefício do tráfico atlântico para a Europa. Homens e mulheres foram transformados em mercadoria.
Depois, com início no século XVIII, os negros, oriundos de várias regiões e línguas, conseguem comunicar entre si. Este período viria a ser marcado com várias revoltas e a independência do Haiti, em 1804.
Por último, com início no século XX, dá-se a globalização dos mercados, as privatizações crescem com o aval do neoliberalismo, e a tecnologia tem uma evolução inaudita.
Apesar de deslizar, por vezes, para a autovitimização, Achille Mbembe consegue apresentar o negro como metáfora para a actual situação do homem de submissão ao neoliberalismo.
Estamos perante o “Devir-Negro” do homem no mundo, pois para o neoliberalismo “todos os acontecimentos e todas as situações do mundo vivo (podem) deter um valor no mercado”.
A categorização de “Negro” e de “Raça” é sujeita a uma análise histórica e sociológica.

Mbembe serve-se de diversas áreas do conhecimento na demonstração das suas ideias. Concorde-se ou não com a posição do autor, é de reconhecer o seu entusiasmo, cuidado na investigação e conhecimentos transdisciplinares.
O leitor está perante um ensaio fruto de uma conclusão preestabelecida. Achille Mbembe vincula o seu estudo à defesa de uma causa. E fá-lo de forma eloquente, assertiva e historicamente aprofundada.
“Quer se trate de literatura, de filosofia, de artes ou de política, o discurso negro foi então dominado por três acontecimentos – a escravatura, a colonização e o apartheid. São a espécie de prisão na qual, ainda hoje em dia, este discurso se encontra.”

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=758825

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