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Balanço Escritaria 2015 - Mário Cláudio




Escritaria 2015: Mário Cláudio emocionado com tanta afectividade


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A Escritaria 2015 homenageou o escritor Mário Cláudio. A cidade de Penafiel dedicou-se, entre os dias 15 e 18 de Outubro, ao autor de “Gémeos”, Oríon”, “Pórtico da Glória”, “Camilo Broca” ou do mais recente “Astronomia” (D. Quixote), entre muitas outras obras numa vasta e premiada carreira literária.

Como é típico dos penafidelenses, houve total entrega para que Mário Cláudio se sentisse acarinhado. E como já vem sendo hábito, pois é a oitava edição, o homenageado saiu emocionado com tanta afectividade.

A Praça da Escritaria recebeu muita gente para assistir ao descerramento da silhueta do autor e da frase de uma das suas obras. Mário Cláudio (2015) junta-se a Urbano Tavares Rodrigues (2008), José Saramago (2009), Agustina Bessa-Luís (2010), Mia Couto (2011), António Lobo Antunes (2012), Mário de Carvalho (2013) e Lídia Jorge (2014).
A frase escolhida demonstra o jogo entre realidade e ficção que o escritor tanto fomenta.
“…irão acusar-te de me teres inventado, considerando-se muito argutos pela descoberta, mas não será verdade que cada biógrafo inventa o seu biografado, e que andamos todos nós a inventar-nos uns aos outros?” – Tiago Veiga em diálogo com Mário Cláudio (em “Tiago Veiga – uma biografia”).

As ruas, sempre compostas por arte urbana com referência ao autor, foram animadas pela Universidade Sénior e pelo Teatro “Andaime”. A Escritaria envolveu os lojistas da cidade, que expuseram cartazes e livros nas montras, e centenas de alunos das Escolas de diferentes ramos educativos do concelho.
O Museu Municipal e a Biblioteca Municipal de Penafiel receberam as principais actividades da Escritaria: Dança, Música, Exposições, Teatro, Lançamento de “Astronomia”, Conferência, Entrevista e a Apresentação do documentário biográfico “Tocata para Dois Clarins” (realizador: Jorge Campos).

A Escritaria conseguiu cativar os penafidelenses a participar nesta festa do livro e da literatura.

Antonino de Sousa, presidente da Câmara Municipal de Penafiel, afirmou ao Diário Digital que “ a cada edição, sente-se um maior envolvimento da comunidade, seja através das escolas ou outro de tipo de entidades como a Universidade Sénior e as Instituições de Ensino Superior instaladas na cidade. Há uma vontade grande em participar e fazer parte da homenagem.

Após oito edições, a Escritaria deixou de ser um evento circunscrito à cidade ou mesmo à região. A singularidade deste festival leva a que os autores transmitam a sua surpresa pelo que presenciam. E disso deu conta Antonino de Sousa ao demonstrar a sua satisfação por ter ouvido Mário Cláudio “ a decretar Penafiel, pela via da Escritaria, a capital da literatura portuguesa contemporânea. É o único evento literário no país que se destina a homenagear um escritor da lusofonia e que permite ao escritor mostrar a sua obra e a sua vida. Torna-o mais próximo da comunidade. Não só os penafidelenses têm já interiorizado o Festival Literário Escritaria como o país já olha para a Escritaria como um evento incontornável na agenda anual das actividades culturais.

Observando-se o mural com as silhuetas dos escritores, percebe-se que a ênfase tem sido sobre ficcionistas. Haverá espaço para a não ficção?
“Naturalmente. A Escritaria vai ter que ser o espelho daquilo que é a literatura em Portugal. As escolhas têm sido estas, que se conhecem, como resultado de uma reflexão intensa da organização, da Comissão Cultural da Escritaria e das próprias editoras. Temos ouvido também os homenageados. Em todos os estilos literários há nomes “grandes” que merecem a homenagem da Escritaria”.

Lídia Jorge, homenageada no ano transacto, esteve presente para celebrar a vida literária de Mário Cláudio e para assistir ao lançamento do livro “Lídia Jorge, Vida e Obra”. A escritora sentiu, novamente, o carinho dos penafidelenses. Assim como Fernando Alves (jornalista TSF), a quem foi atribuído o Prémio Carreira Escritaria 2015 e que havia entrevistado Lídia Jorge em 2014.

Também Mário Cláudio deu o seu testemunho, em entrevista a Valdemar Cruz (jornalista do Expresso), sobre o carinho dispensado pela comunidade. O escritor, dotado de um humor corrosivo que incide principalmente em si próprio, agradeceu sempre que possível a afabilidade que Penafiel lhe dedicou.
Durante a entrevista, as recordações do autor concentraram-se na sua relação com outros escritores. Depois de demonstrar a sua proximidade afectiva com Lídia Jorge, Mário Cláudio falou um pouco sobre Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís e José Régio.

Nesta fase da homenagem proporcionada pela Escritaria, a visão do Outro sobre Mário Cláudio foi complementada pela visão do próprio sobre as pessoas que mais o influenciaram no mundo da escrita.

A sua relação com os três autores mencionados foi de admiração e turbulência.
Mário Cláudio conheceu Eugénio de Andrade numa noite de São João, através de amigos comuns. Nessa noite, o autor de “Gémeos” e “Camilo Broca” percebeu o sarcasmo de Eugénio de Andrade. Ao longo do tempo, e conforme o foi conhecendo melhor, Mário Cláudio viu no poeta um homem manipulador, possessivo e muito complexo. Essa complexidade era visível na coexistência dessas características com uma outra: a generosidade.

Eugénio de Andrade oferecia revistas, desenhos e fotos, naturalmente, sem precisar de justificação. Foi também o autor de “As mãos e os frutos” a ler um original de Mário Cláudio e a escrever a badana para um outro livro que, posteriormente, aconselhou a Jorge de Sena. No fim da sua vida, Eugénio de Andrade era uma pessoa mais branda, menos umbilical. “Despedi-me dele com saudade”, afirmou Mário Cláudio.

A relação com Agustina Bessa-Luísa foi “de afecto com algumas reticências de convívio”. O escritor vê Agustina Bessa-Luís como uma mãe de quem se aproximou, mas também uma bruxa que apeteceu amordaçar.

Curiosa foi a história que Mário Cláudio contou sobre José Régio, com quem conviveu pouco. Contou o autor homenageado que um dia dirigiu-se a José Régio para lhe pedir que lesse alguns textos seus.
“São versos?” perguntou José Régio
“ Sim, são versos”
“Eu estou farto de versos”
“É natural”, respondeu Mário Cláudio, “O senhor já os escreve há tantos anos.”

Os encontros e desencontros com vários escritores da sua geração estão a ser substância para a escrita das crónicas que têm vindo a ser publicadas no Diário de Notícias. A perspectiva de um homem sobre as suas influências e sobre os seus afectos é importante na formação da personalidade, mas não é suficiente. A Escritaria procurou dar a conhecer o autor através da visão de quem já trabalhou com ele e da de quem pertence a um círculo afectivo mais restricto.

Na “Conferência Mário Cláudio Vida e Obra” (moderação de Alberto Santos, Comissário da Escritaria), os testemunhos da escritora Mónica Baldaque (filha de Agustina Bessa-Luís), do professor e músico Cândido de Oliveira Lima, de Filipe Lacerda Barbot Costa (primo), de Francisco Laranjo (artista plástico), da professora e amiga de liceu Maria Adelaide Valente, do actor João d`Ávila e do amigo Michael Lloyd deram perspectivas diferentes sobre o homem e a respectiva obra.
Os vários testemunhos assumiram um tom afectuoso numa conferência que permitiu descobrir vertentes mais intimistas de Mário Cláudio, mas também a relação da sua obra com diferentes disciplinas como a música, as artes plásticas e a dramaturgia.

Alguns aspectos mais privados, como as viagens com Michael Lloyd, e as lembranças familiares, descritas pelo primo, dotaram a Conferência de afectividade áurea que viria a ser ainda mais brilhante quando, no fim, Mário Cláudio falou da sua relação com cada um dos conferencistas. A análise dos seus livros foi secundarizada pelo afecto. Essa exegese estaria mais presente na apresentação de “Astronomia” (Dom Quixote), efectuada por Maria do Rosário Pedreira (editora) e por Gabriel Magalhães (professor de literatura na Universidade da Beira Interior).

A obra completa, agora celebrada, tem em “Astronomia”, segundo Gabriel Magalhães, a devida cúpula.
O professor de literatura afirmou existir em “Astronomia” a tensão antitética muito barroca entre a confissão e o anonimato. Neste livro existe o desejo de se ser autêntico e a delicadeza na demonstração dessa autenticidade. A disposição tripartida (Nebulosa, Galáxia, Cosmos) suporta uma história complexa sobre a vida de um homem nas suas três principais etapas: infância, maturidade, velhice. No fim do livro, segundo o professor, existem dois a três sonhos que são a chave para compreender o protagonista.

Nesta “comédia humana”, a primeira parte é dominada pela difícil tarefa de organizar a desarrumação da infância. A casa onde foi menino é o mapa dessa infância. Após este exercício de rememoração, Mário Cláudio afirmou, em várias entrevistas, ter chegado à conclusão de que a sua meninice não foi tão feliz como pensava.

Na segunda parte, período que corresponde à maturidade, algumas individualidades da literatura surgem, não nomeadas, na vida do principal personagem que, na última parte do livro, é já um homem vetusto.

“Astronomia” é, para Guilherme Magalhães, um dos mais belos livros sobre a velhice e impõe-se como epifania da obra claudiana. Se “Tiago Veiga” é uma biografia que, na verdade, é um romance, “Astronomia” é um romance que, na realidade, é uma biografia.
A obra mais recente de Mário Cláudio dialoga com a literatura de forma ostensiva (presença de citações), mas também discretamente (rememoração proustiana).

Depois de se conhecer Mário Cláudio através das suas relações intelectuais, de se analisar a obra através de diversas perspectivas artísticas e de se assistir ao testemunho de familiares e amigos, o autor deu-se a conhecer pelas suas próprias palavras.

Quem frequentou a Escritaria aproveitou a oportunidade ímpar de conhecer as variadas facetas que compõe a personalidade e a obra de Mário Cláudio. Quem não frequentou…
É inevitável sair da Escritaria a pensar quem será o próximo homenageado. E mais: quem será que, daqui a mais oito ou dezasseis edições, terá uma carreira tão marcante como as dos oito homenageados entre 2008 e 2015.

Em resposta a esta dúvida, Antonino de Sousa disse que “ estamos a viver um tempo muito rico em produção literária. Nos últimos anos, têm-se revelado vários bons autores que podem com certeza ser homenageados, daqui por 20 anos, na Escritaria. Está a acontecer na literatura o que está a acontecer na Selecção sub21 de futebol. Há muitos bons valores a despontar que vão fazer parte da Selecção A”. E a Selecção A é a Selecção Escritaria, onde Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge e Mário Cláudio já reservaram lugar.







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