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Homer & Langley, de E. L. Doctorow (Diário Digital)



A Maldição de Diógenes.


Homer e Langley, personagens do romance de E. L. Doctorow (n.1931, Bronx), são motivo de interesse desde há décadas devido às peculiaridades das suas existências (e desistências).
O autor norte-americano, vencedor do National Book Award com “World’s Fair”, do PEN/Faulkner prize e do National Book Critics Circle Award com “Billy Bathgate” e “The March”, ficcionou a extraordinária existência dos irmãos Collyer.
A vida de Homer Lusk Collyer (n.1881)  e a de Langley Wakeman Collyer (n.1885), irmãos criados numa família abastada, acompanharam importantes alterações sociais, económicas e políticas nos Estados Unidos da América na passagem do século XIX para o século XX.
As suas vidas viriam a terminar de forma tão bizarra quanto foram vividas.
Tudo leva a crer que Langley, irmão mais novo, desenvolveu a síndrome de Diógenes, que “caracteriza-se por descuido extremo com a higiene pessoal, negligência com o asseio da própria moradia, isolamento social, suspeição e comportamento paranoico, sendo frequente a ocorrência de colecionismo. (Jornal brasileiro de psiquiatria.vol.59 no.2 Rio de Janeiro 2010)
Segundo o “New York Daily News” de 19/10/2012, foram retiradas da mansão 140 toneladas de lixo tão variado como um esqueleto humano, instrumentos musicais (7 pianos, entre outros instrumentos), carrinhos de bebé, pilhas e pilhas de jornais, estátuas, relógios de mármore, chassi de um carro, pistolas...
Debaixo dos escombros, seria encontrado imediatamente o corpo de Langley Collyer, mas o irmão foi dado como desaparecido. Procuraram-no em várias cidades. Três semanas depois descobriram-no a poucos metros de distância de Langley. O lixo impossibilitou as autoridades de descobrir o corpo, mais cedo.
Doctorow apoia-se nestes factos para construir uma ficção com mais bases no psicologismo do que na acção. A narração,  entregue exclusivamente a Homer, compreende o período iniciado na 1ª Guerra Mundial, continua pela Grande Depressão, Lei Seca, Guerra Fria, Guerra da Coreia, Vietname, até ao desaparecimento dos irmãos Collyer, em 1947.
A evolução histórica é parte contextualizante do romance e é sujeita a uma conotativa análise sociológica.
A perspectiva narrativa sofre uma importante mutação ao longo do romance.
Homer, o nosso narrador, principia a contar a história partindo das imagens vistas por si e das recordações inerentes a essas imagens, que correspondem ao período da sua infância em que não estava cego.
Ao cegar, ele começa a contar a partir do seu universo (casa na 5ª Avenida) para o exterior.
Homer não conta o que vê, obviamente. Doctorow transforma uma limitação narrativa numa das características mais bem conseguidas e importantes do romance.
Homer comunica em função do efeito da representação mental dos objectos, das pessoas, das texturas, da temperatura...
“A ideia é eu escrever sobre o que não se pode ver. É difícil” Pág.154
Através do coleccionismo do seu irmão, ele vai sendo actualizado.
A mansão, outrora domicílio da família Collyer, cuja riqueza lhes permitia viver com luxo, vai sofrendo a erosão do tempo. A destruição do seu interior só é menos veloz do que o efeito provocado pela síndrome de que Langley padece.
Um dos aspectos mais interessantes do coleccionismo de Langley é a tentativa de “nivelar” o tempo. A sua quimera consiste em procurar uma estrutura, cujo nome seria “teoria das substituições”, que permita considerar os acontecimentos como repetíveis em qualquer espaço temporal. Tudo o que acontece já aconteceu e irá acontecer. De certa forma, a personagem é uma projecção (literária) do seu autor, quando, sentado defronte da máquina de escrever, tenta captar a essência dos acontecimentos.
Doctorow transporta o leitor para a Nova Iorque daquela época, mas não entra, no campo descritivo, em grandes pormenores. A dinâmica do romance é entregue ao desenvolvimento da relação social e interpessoal dos dois irmãos.
A complexidade relacional entre os dois intriga e perturba o leitor.
Entre a informação factual existem espaços por preencher. É aí que entra a ficção. Durante cerca de 200 páginas o leitor vive com os irmãos Collyer e testemunha os efeitos devastadores da maldição de Diógenes.


Homer & LangleyHomer & Langley by E.L. Doctorow

My rating: 4 of 5 stars


O meu texto sobre "Homer & Langley", de E. L. Doctorow, para o Diário Digital
Listem o livro para a Feira do Livro.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp...



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