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Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos: Ricardo Araújo Pereira e Luís Fernando Veríssimo



Festival de Óbidos rendido a Ricardo Araújo Pereira e Luís Fernando Veríssimo


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Ricardo Araújo Pereira (Lisboa, 1974) e Luís Fernando Veríssimo (Porto Alegre, 1936) debateram ideias sobre o humor, com moderação de Nuno Artur Silva, no Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos. Foi a “Mesa de Autores” (6ªfeira, dia 23) com maior assistência do Festival.
O cronista brasileiro confessou vir preparado para falar de comida, mas só tardiamente percebeu que esse não era o tema da mesa. Já Ricardo Araújo Pereira disse que tinha aceitado participar no Festival para poder ouvir Luís Veríssimo sem ter de ir para a bilheteira.
Sobre comida, o humorista português afirmou que gosta de pratos que podem ser descritos por uma palavra só, como “Bacalhau”, “Cozido”, “Chanfana”. Hoje vê-se nos restaurantes pratos que precisam de várias linhas para serem definidos. “Descrevem uma série de processos que fazem com que eu sinta não ter habilitações literárias para comer aquilo.”
E aconselhou, num acto de antropofagia, que se “comesse” Luis Fernando Veríssimo, declarando assim a sua admiração pelo colunista brasileiro. Algo que foi prontamente desaconselhado pelo pelo próprio. A sua carne, segundo o humorista brasileiro, já não era assim tão tenra devido aos seus quase 80 anos.
Entre constantes tiradas humorísticas, Ricardo Araújo Pereira definiu-se como “ um tipo que escreve piadas”. “Gosto de ver aquilo que acontece a uma pessoa quando ela se ri”, afirmou.
A “convulsão” que o ouvinte tem, sem o humorista lhe tocar, implica arte. Essa capacidade de fazer rir advém de muito trabalho. Ricardo Araújo Pereira recusa a hipótese de se nascer com um dom; ao invés, acredita ser possível aprender as técnicas que possibilitam fazer rir.
Um humorista tem um olhar de criança sobre as coisas, sobre os pormenores. É uma observação de filigrana. A mesma história pode ser uma tragédia ou uma comédia. A distância temporal também é essencial para o humor. Conseguimo-nos rir, anos depois, de algo que nos aconteceu e que nos transtornou nesse momento.
Luís Fernando Veríssimo considera-se mais depressivo do que humorístico. “Eu não sou um humorista espontâneo”, declarou. É consequência de muita técnica aprendida ao longo dos anos. Quando escreve, o seu objectivo é, principalmente, tornar a leitura agradável. 
E qual o poder do humor?
Segundo o elemento dos “Gato Fedorento”, o humor não triunfa sobre coisa nenhuma. O humor diminui o medo, principalmente o medo principal: o da morte.
O autor brasileiro lembrou o hipocondríaco que, no leito de morte, deixou o seu epitáfio: “Eu não disse?”
A morte, para Veríssimo, é a maior piada de todas. Deus é humorista. Dá-nos tudo e depois mata-nos. Só pode ser uma piada.
No campo político, a sua intervenção durante a ditadura brasileira obrigou-o a ser inventivo e a usar muito a metáfora. Disso advinha a satisfação de saber que não o conseguiam calar totalmente. “O humor mantém o senso crítico nas pessoas”.
A crítica política tem estado muito presente no trabalho de Ricardo Araújo Pereira, mas o humorista não vê nos seus “sketches” importância suficiente para definir uma eleição. “Tentar intervir politicamente através de piadas é como tentar construir uma ponte com doçaria conventual. Não funciona.”
Um dos “sketches” mais famosos dos “Gato Fedorento” foi a imitação de Marcelo Rebelo de Sousa protagonizada por Ricardo Araújo Pereira, a propósito do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.
“No fim do referendo, houve analistas que disseram que o nosso sketch tinha tido uma importância decisiva no resultado. Não tenho a certeza. Primeiro, posso garantir que não o fiz para ter influência. Fi-lo porque achei que tinha graça. Segundo, era impossível prever se ia ter e que influência teria. (…) Um lindo dia de sol no dia nas eleições pode ter influência. Isso não significa que o sol esteja a fazer política. É um exemplo bom para mim por comparar-me com o astro-rei”
Ainda segundo Ricardo Araújo Pereira, o “Daily Show” (EUA), de John Stewart, fez muita sátira política a George W. Bush. Isso não pediu que o Republicano ganhasse. Duas vezes.
Os humoristas portugueses estão mais atentos aos humoristas americanos e brasileiros do que aos europeus, mas diferenças entre Portugal e Brasil existem e podem fazer grande diferença. Ricardo Araújo Pereira sente-se mais confortável a improvisar em língua inglesa do que, estando em terras brasileiras, em Português do Brasil.
Segundo Luís Fernando Veríssimo, Portugal tem um português “meio espremido” por causa do espaço. O Brasil tem um espaço enorme. Isso permite que se explane.
Nuno Artur Silva recordou a frase de Agostinho da Silva: “o brasileiro é o português à solta”.
Dois humoristas de excelência pertencentes a gerações diferentes e a continentes distantes não defraudaram as elevadas expectativas.
O público encheu o espaço da “Tenda de Autores” para ouvir o diálogo entre os dois. A julgar pelas ruidosas gargalhadas, deu o dinheiro pago pelo bilhete (5 euros) por bem investido.

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